Aristides de Sousa Mendes, o Diplomata português que durante a II Guerra Mundial salvou mais de 30.000 vidas da perseguição Nazi, em 1940, no que é considerado como a maior ação de salvamento empreendida por uma pessoa individual.
Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches nasceu a 19 de julho de 1885, em Cabanas de Viriato (Carregal do Sal), localidade situada a cerca de 30km a sul de Viseu. Pertencia a uma família aristocrática rural, católica e monárquica, qualidades que partilhava, apoiando inclusivamente a contrarrevolução conhecida como “Monarquia do Norte”. O seu pai, José de Sousa Mendes, era juiz no Tribunal da Relação de Coimbra.
Aristides instala-se em Lisboa em 1907, após concluir, juntamente com o seu irmão gémeo, a licenciatura em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. César envereda pela carreira diplomática, mais política, ao passo que Aristides envereda pela carreira consular.
No início da sua carreira atuou em Zanzibar, Brasil, Espanha, Estados Unidos e Bélgica.
Aristides teve sempre uma carreira algo atribulada e com vários incidentes, sobretudo por abandono de posto sem autorização e por utilização abusiva de dinheiros públicos. Ao longo de 30 anos Aristides teve conflitos e incidentes com os mais diversos regimes políticos. O primeiro incidente deu-se em 1917 quando Aristides foi admoestado por ter abandonado o seu posto em Zanzibar sem para tal ter solicitado a devida autorização. Em 1919, quando colocado no Brasil, Aristides sofre uma suspensão, por dois anos, por comportamento antirrepublicano.
Após a revolução militar do 28 de Maio de 1926, Aristides, que era monárquico e nacionalista apoia abertamente o regime ditatorial desde o seu início e a sua carreira começa então a melhorar significativamente. Em 1927 é nomeado cônsul em Vigo onde colabora com o Estado Novo na aniquilação das manobras dos refugiados políticos.
O HOLOCAUSTO E A “CIRCULAR 14”
A ascensão ao poder de Adolf Hitler, em 1933, na Alemanha, marca o início da perseguição aos judeus, porém é com a chegada dos alemães a Paris, que se intensifica a fuga para Sul.
Na sequência da invasão nazi operada em meados de maio de 1940, o governo liderado por Paul Reynaud decide sair de Paris e instalar-se provisoriamente nos arredores de Tours. Perante o avanço imparável dos exércitos de Hitler e sem tempo para mobilizar o apoio militar britânico, o Presidente do Conselho francês determina a transferência do governo para Bordéus. Nas estradas de França, o caos é completo. Milhões de civis fogem de suas casas. Durante a noite de 14 de Junho, as tropas da Wehrmacht entram na capital, contornam o Arco do Triunfo e desfilam vitoriosos pelos Campos Elíseos.
Ao mesmo tempo que os alemães se estabelecem em Paris, o governo francês instala-se em Bordéu, o que leva a cidade a ficar abarrotada de milhares de pessoas que procuram fugir do terror da guerra. Em Bordéus, os refugiados chegam aos milhares numa procura desesperada de vistos na esperança de conseguirem um visto para a liberdade.
À PROCURA DE VISTOS
Bordéus transformara-se na capital da desordem. Enquanto isso, Paris encontra-se deserta e silenciosa. Ali impera a ordem. A primeira semana de ocupação deixa no ar uma sensação de obediência. Nas paredes da cidade são colados cartazes incitando as populações abandonadas a confiar nos soldados alemães. O contraste com Bordéus não poderia ser maior. À porta dos consulados estrangeiros vêem-se filas de pessoas que procuram obter vistos, para um qualquer país, a fim de escaparem às tropas que se aproximam.
É em princípios de Junho de 1940 que a avalanche de população em fuga se abate sobre Bordéus.
Nos primeiros 10 dias de Junho o consulado Português de Bordéus emitiu 59 vistos regulares. No dia 10 de Junho Itália declara guerra a França e à Grã-Bretanha. No dia 11 de Junho o consulado emitiu 67 vistos, a 12 emitiu 47. No dia 12 de Junho a Espanha altera a sua posição de país neutral para não-beligerante colocando a neutralidade de Portugal em risco. No dia 13 de Junho o consulado emitiu apenas 6 vistos.
Foi provavelmente no dia 13 que Aristides, sucumbindo à pressão psicológica de ter de auxiliar uma população em pânico e também pressionado pelos escândalos provocados no consulado pela sua amante grávida, se retirou para o seu quarto onde esteve três dias deitado com um esgotamento nervoso.
Com Sousa Mendes acamado o consulado continua a emitir vistos; no dia 14 de Junho emitiu 173 vistos, e a 15 emitiu 112. A 16 de Junho o diplomata Francisco Calheiros e Menezes chega a Bordéus e é recebido pelo Cônsul, num quarto escuro onde o cônsul se encontra acamado, exausto. Nesse mesmo dia, 16 de Junho, um domingo, Sousa Mendes emitiu 40 vistos e inclusivamente diz que cobrou pessoalmente os emolumentos suplementares a que tinha direito por estar a trabalhar a um domingo. Aristides recorda em particular os vistos que concedeu ao banqueiro Rothschild, que não quis esperar por segunda-feira e se prestou a pagar os emolumentos suplementares.
É no dia 17 de Junho que Aristides, dizendo-se inspirado por um poder divino, decide conceder visto a todos os que lho pedissem: “A partir de agora, darei vistos a toda a gente, já não há nacionalidades, raça ou religião”. Com a ajuda dos seus filhos e sobrinhos e do rabino Kruger, ele carimba passaportes, assina vistos, usando todas as folhas de papel disponíveis. No dia 17 emitiu 247 vistos, dos quais muitos a cidadãos portugueses. No dia 18 emitiu 221 vistos e no dia 19 emitiu 156 vistos.
Entre as pessoas que o estão a ajudar encontra-se o Rabino de Antuérpia, Jacob Kruger, que lhe faz compreender que há que salvar os refugiados judeus.
Confrontado com os primeiros avisos de Lisboa, ele terá dito:
“Se há que desobedecer, prefiro que seja a uma ordem dos homens do que a uma ordem de Deus.”
Segundo alguma literatura Aristides, com a ajuda da família e do Rabino Kruger, terá montado uma “linha de montagem” para conceder milhares de vistos. Contudo, o escritor americano Eugene Bagger, deixou um testemunho algo diferente. Eugene Bagger conta que esteve, em vão, todo o dia 18 esperando numa longa fila para conseguir o seu visto e que já eram 7 horas da tarde quando desistiu.
Dormiu no carro e no dia seguinte voltou ao consulado onde passou a manhã esperando, novamente em vão, tendo desistido por volta das 11 horas. Dirigiu-se então ao hotel Splendid onde encontrou Sousa Mendes tomando um aperitivo com um amigo. Sousa Mendes queixou-se-lhe do excesso de trabalho e calor da véspera. Assinou-lhe o passaporte e disse-lhe que voltasse ao consulado para que lho carimbassem. Quem ajudou Eugene Bagger foi um Polaco, que tinha sido cônsul honorário e que levou Bagger ao consulado e lhe carimbou o passaporte.
O MNE só se dá conta deste problema, no dia 20 de Junho, quando é surpreendido por uma nota enviada pela Embaixada Britânica que se queixa de que o cônsul português está a protelar a passagem de vistos para fora do horário de expediente, para poder receber mais emolumentos e que, adicionalmente, em pelo menos um caso tinha exigido uma contribuição indevida para um fundo de caridade.[14][nota 15] (Não era a primeira vez que Aristides era acusado de estar a exigir, indevidamente, contribuições para fundos de caridade a troco de serviços consulares, tal já havia ocorrido em 1923 quando o cônsul se encontrava em São Francisco).
O MNE ordena então à embaixada em Paris que resolva o problema em Bordéus. Nesse mesmo dia Aristides parte para o consulado de Baiona onde continua a sua atividade de 20 a 23 de junho, no escritório de um vice-cônsul estupefacto.
Em 22 de junho de 1940 a França e a Alemanha assinaram um armistício. Terminam as hostilidades e o Reino Unido é a única potência em guerra com a Alemanha. Os refugiados começam então a poder regressar a suas casas. Contagens oficiais apontam para mais de 6 milhões de refugiados, dos quais 2 milhões são parisienses e 1 milhão e 800 mil são belgas.
CONDECORAÇÕES
Aristides de Sousa Mendes recebeu várias condecorações em reconhecimento dos seus atos heroicos. As principais condecorações incluem:
- Justo entre as Nações (1966) – Concedido pelo Yad Vashem, o memorial do Holocausto em Israel. Este título é dado a não-judeus que arriscaram as vidas para salvar judeus durante o Holocausto;
- Ordem da Liberdade de Portugal (1987) – Concedida pelo Presidente de Portugal, Mário Soares, em reconhecimento aos serviços prestados em prol da liberdade;
- Ordem de São Tiago da Espada (1995) – Uma alta honra portuguesa concedida por méritos literários, científicos e artísticos;
- Ordem do Mérito (1998) – Outra condecoração portuguesa, concedida por serviços meritórios prestados ao país;
- Cidadania Honorária de Israel (1988) – Uma honra simbólica concedida em reconhecimento às ações heroicas de Sousa Mendes;
- Comenda da Ordem de Cristo (2017) – Postumamente, recebeu esta condecoração do Estado português, no decorrer do mandato do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa pelo seus atos heroicos.
Estas condecorações refletem o reconhecimento tardio e merecido do sacrifício e da coragem de Aristides de Sousa Mendes, que desafiou ordens superiores para salvar a vida de milhares de refugiados durante um dos períodos mais sombrios da história.
ARISTIDES DE SOUSA MENDES (1885-1954)
“Era verdadeiramente a minha intenção salvar toda aquela gente.”